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cistos

Estou prestes a tirar um cisto da cabeça. Nada grave. É um cisto sebáceo que nasceu despretensioso, como outros dois cistos que removi anos atrás. Parecem espinhas e coçam enquanto crescem.  Um dia, a dona Ana, mãe do Re, usou seus conhecimentos de enfermeira para tentar expulsar um dos cistos do meu pescoço, mas só provocou dor. O negócio era mais embaixo, bem mais embaixo. Então, agendei a cirurgia. Minha mãe veio ficar comigo no dia em que fui à clínica dermatológica tirar os cistos: um no pescoço e outro na axila. Mas foi tudo tão rápido e indolor que ela nem precisava ter vindo. Mas quando ouvi a palavra anestesia, gritei “manhê” e ela veio. Me lembro de eu mesma ter dirigido de volta para casa, mas não me lembro o nome da médica, só que o consultório ficava numa rua perto do Zerão.  Lembro também de a médica ter me mostrado o tamanho dos cistos e eu, incrédula: “Como uma simples espinha podia ser tão grande?”. Deixei os cistos lá para biópsia e o resultado apontou: benigno. Era s

Alanis

Assistindo ao show da Alanis eu me percebi chorando em muitas músicas. Eram letras que diziam coisas importantes, principalmente sobre como a vida pode ser irônica, citando um dos maiores sucessos da cantora. Quando começa o show, eles exibem imagens da trajetória dela ao longo dos anos, construindo o storytelling tão comum no marketing, para despertar a emoção no público. E conseguiram. Naquele momento eu fui fisgada, porque construí na minha cabeça o meu storytelling. As imagena dela ativaram minhas lembranças adolescentes, quase todas em casa e na escola. De repente, o som da gaita. E eu me arrepiei inteira. Fui transportada para o meu quarto no Novo Mundo, onde costumava ouvir música no discman, antes de dormir. Não que eu fosse grande fã de Alanis. A Na é quem tinha o cd. Mas vez ou outra eu pegava emprestado para ouvir os gritos da canadense. E gostava de ver clipes na MTV e ela dominava a programação. Na época, não tinha internet, então não me lembro como aprendia a cantar a

Zio

 Será que tudo o que vivi nos últimos dias me preparou para esse momento? Será que alguém está realmente preparado para entender a morte? Será que a gente deve apenas respeitar e aceitar?  Meu tio mais velho morreu. Lutou uma batalha contra uma doença traiçoeira que tirou sua alegria de viver. Seu corpo cansou e seu coração parou.  O jovem sério que virou meio pai dos irmãos, depois que a mamma morreu cedo, e botava medo nos pequenos por conta da responsabilidade assumida tão jovem, tornou-se um tio divertido. Que gostava de contar as histórias da Itália e do sítio. Falava o dialeto do Friuli e ensinou aos sobrinhos paródias italianas que decoramos sem saber o que significavam as palavras difíceis de repetir. Tiri biri...more seco...pater nostri...fa tre di che non l'hai di...se mia nonna non mi da pan...na notte di Natale, nasce un bel bambino...Maria con il velo copriva Jesu...e assim a gente matava a saudade do zio Mario todo Natal.  Quando a gente pegava a estrada para visitar

sempre em frente

O melhor amigo do meu pai da faculdade de engenharia se foi. Meu tio. Padrinho da minha irmã. Compadre dos meus pais, que são padrinhos do filho deles. Eu lembro que sempre me senti muito acolhida e amada quando encontrava a família Mendes, ainda que a gente se visse pouco. Uma vez por ano, talvez duas, no máximo. A amizade dos meus pais com os padrinhos da minha irmã é daquele tipo que quando se encontra é como se nunca tivesse deixado de se ver. O tio era professor. Falava alto, era muito inteligente, gostava de política e escrevia artigos de opinião para os jornais. Fazia amizade com os alunos e queria mudar o mundo com as suas ideias. A tia sempre junto. Professora divertida, carinhosa, inteligente, extremamente generosa. Sempre trabalharam muito. Seus filhos (meus primos) lindos, inteligentes, carinhosos, generosos como os pais. Único defeito da família é serem corintianos. O tio se foi depois de uma batalha contra uma doença degenerativa que lhe tirou a independência motora. A ca

uma boleira de vidro

  Minha vó comemorou 90 anos em dezembro. Reunimos alguns sobrinhos, uma cunhada, amigas, filhos e netos para brindar a vida da Therê com chope e crepe.  Ela tem saúde: caminha, troca de roupa, arruma a cama e gosta de dizer que ainda consegue lavar os pés. Faz tudo sozinha. Minha vó dança! Estamos sempre alimentando a vó porque ela diz que perdeu o paladar. Que só come para viver. Que velho perde a validade. Sua memória está travessa: foge e volta e foge e volta. E às vezes a confusão se instala. Meus pais decidiram que ela vai morar com eles na praia. Eles alugaram o apartamento da capital e se mudaram para a praia, a duas quadras do mar. Lá tem um quarto com um colchão novinho para a vó que ajudei a escolher. Tem uma tevê que ajudei a sintonizar os canais, tem o radinho com o cd do Tonico e Tinoco e fotos de todos nós. Não é a casa dela. Todos sabemos. Principalmente ela. Ao mudar, minha mãe trouxe o máximo que pode de coisinhas da casa da vó para ela se reconhecer no dia a dia

balanço

Eu gosto de escrever para significar tudo que me acontece. E para poder ler depois e recordar, repensar. Então vou escrever sobre meu 2022 para ler ano que vem e lembrar como foi que vivi no primeiro ano pós-pandemia. Este ano, eu resolvi voltar a ser jornalista em tempo integral. Eu fiz as contas e mandei currículos e me programei. Disse pra mim mesma: qualquer coisa eu vendo o carro. Já em fevereiro recebi duas propostas que não só tiraram minha zona de conforto na escrita como me ensinaram novas possibilidades de exercer a profissão. Em alguns momentos eu pensei em desisitir porque não me sentia boa o suficiente. Mas ainda bem que eu insisti. Foram dois projetos de branding para duas grandes marcas nacionais, em que conheci uma equipe carioca cheia de conteúdo e sal. Em outra frente, escrevi copys para candidatos a deputados, numa primeira tentativa de trabalhar para políticos. Em ambos os trabalhos senti medo de errar e cheguei a achar que seria dispensada. Mas depois de concluir

o dia em que encontrei o convite do meu aniversário de 1 ano num livro de Simone de Beauvoir

Depois de mudar do apê do bosque, onde tinha vivido os últimos 13 anos e quase toda a pandemia, para um apartamento com vista para o Vale Verde, nos "Jardins londrinenses", em outubro do ano passado eu resolvi passar uns dias no apartamento dos meus pais, em São Paulo. Acabei ficando por lá dois meses. Minha irmã também estava lá. Sua casa estava em reforma e ela e o marido mudaram-se pro Novo Mundo por um ano. Dormiram no meu quarto de adolescente enquanto eu dormi no quarto dela que, de dia, se transformava em escritório. Minha irmã trabalhou muito enquanto estive lá. Eu chorei muito. Fuçando no armário cheio de livros da minha mãe, resolvi começar a ler Simone de Beauvoir. Nunca tinha lido. Nem imaginava que minha mãe tinha um livro com essa temática. Então comecei a ler, devagar.  Estava fazendo tudo devagarinho em outubro passado, com uma dose de vacina no braço e máscara no rosto. Saí de casa para encontrar as amigas  pela primeira vez em quase dois anos de pandemia.